Ela deixou a vida empresarial para descobrir a felicidade “em quem nunca viu”

Áurea Cruz: "Eu descobri, no 'Mexendo a Panela', que a minha felicidade no sorriso de uma criança, numa mãe que recebe um leite ou naquele pai que recebe um prato de comida".

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uando a então empresária Áurea Onília de Souza Cruz serviu cerca de 40 refeições naquele dia há seis anos nunca imaginou que sua vida mudaria tanto. Mas depois do primeiro dia, esse número só aumentou, passando para 300 refeições e já houve época em que o projeto chegou a fazer três mil marmitas por dia. E Áurea mais uma vez foi ‘sacodida’ por uma realidade que até então ela não entendia ser a mais ideal. O problema existia, todos os dias aumentava a quantidade de pessoas que chegava para almoçar, mas os doadores não tinham recursos suficientes para garantir a compra diária dos produtos alimentícios.

“Um amigo meu, que é o Wagner da Fraternidade, me disse: minha irmã, você precisa rever isso [não querer divulgar a ação solidária que a igreja fazia]. Se ninguém sabe o que é feito nessa igreja, como é que você quer a ajuda do seu próximo? Foi que aí que percebi que fazia todo sentido começarmos a divulgar o projeto para alcançar um número maior de doares”, lembra a ela.

Foi um dos principais aprendizados que adquiriu ao longo dos últimos seis anos em que faz parte desse projeto, coordenado pelo padre Revislande Araújo da paróquia da Consolata, e que alimenta, de segunda a sábado, em torno de 1.200 pessoas, oferecendo refeições para migrantes e moradores de rua.

Sobre a sua dedicação de solidariedade a esse trabalho, ela afirma que todos que participam dessa doação estão dizendo ‘sim’ para Deus. “Todo dia acontece o milagre da partilha aqui. E a gente veio para esse mundo para isso; a nossa obrigação é ajudar o próximo. Esse é o nosso papel nessa terra. E a minha missão mais difícil é fazer que meu próximo perceba que também tem que ajudar o próximo”, observa.

E a iniciativa deu tão certo que atualmente o ‘Mexendo a Panela’ deixou de ser apenas um doador de refeições, e firmou parcerias com ONGs, departamentos internacionais, Cáritas brasileira, e empresas privadas para oferecer outros serviços. Um deles foi a lavanderia construída para receber as pessoas que moram na rua, e “banheiro como forma de oferecer dignidade a essas pessoas”.

O projeto também realiza o programa ‘Anjo Gabriel’, que uma vez por semana o grupo doa leite, Mucilon e fraldas para as famílias que têm crianças. Este ano, o projeto iniciou o atendimento de 300 crianças na escola ‘Com fé e alegria’. E o ‘Mexendo a Panela’ se prepara para inaugurar, ainda este ano, o seu próprio restaurante popular e a escola de oportunidades para formação profissional.

“Tudo isso surgiu a partir daquele primeiro dia que nos oferecemos para estar aqui servindo comida a quem tem fome. O nosso grande parceiro hoje é Ministério do Trabalho, além da Cáritas Brasileira e um departamento do governo americano, que patrocina esses projetos da Igreja. E quero deixar registrado aqui: nós não atendemos venezuelanos, nós atendemos PESSOAS”, reforça.

Além disso, nas datas comemorativas como o Dia da Criança e final do ano, o grupo de amigos e voluntários da igreja Nossa Senhora da Consolata se mobiliza para realizar festas e distribuir brinquedos e cestas básicas. “Ano passado juntos distribuímos cinco mil brinquedos e três mil cestas básicas. E tudo isso só é possível porque lá atrás nós decidimos divulgar a nossa ação e passamos a receber muito mais doações e dedicações de outros voluntários”, explica.

“Quem ajuda está em processo de cura”.

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urea acredita que as pessoas que já estiveram ou ainda continuam participando do projeto, na maioria das vezes estão, na verdade, passando por um processo de cura, ao se doar ao próximo. “Elas são motivadas por esse sentimento de ajudar a quem precisa, mas no fundo a gente também precisa de ajuda”, conta ao lembrar de inúmeros relatos que já ouviu de pessoas que se sentiram curados e abençoados com o trabalho voluntário.

“Quando você se propõe a ser voluntária, percebe que a sua dor se cura, ajudando a curar a dor do outro. Isso é muito importante porque quando você percebe que a sua dor diante da dor do irmão é nada, você passa a dizer: obrigado pela vida que eu tenho”, observa.

E nesse processo, segundo ela, é possível, inclusive, que a vida de muita gente “começa a fazer sentido”. “Então é uma troca, solidariedade é aprendizado diariamente porque o amor não é essa coisa toda que todos falam. O amor é essa coisa toda que poucos fazem”, conclui.

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